Humanidade

Onde te escondes?

Davi Monticelli
3 min readNov 19, 2023

Era um dia típico de verão: ensolarado, porém não muito quente. A brisa marinha ajudava.

Fui ao supermercado comprar a comida da semana, e, ao terminar o afazer, dirigi-me ao caixa já pensando no que me esperava em casa.

O que eu não esperava foram os acontecimentos que se sucederam:

Enquanto me encaminhava a fila, vi, primeiro de relance, um segurança, já bem velho aos 70–80 anos, com dificuldade de respirar. Estava em um pequeno quarto próximo do balcão das flores. Tentava usar um tanque de oxigênio para ajudar na tarefa que nos é banal, mas com pouco sucesso. Duas pessoas estavam próximas a ele, motivando-o, acalmando-o.

Entretanto, pouco antes de chegar a minha vez de passar as compras, a intensidade da cena escalou. Agora o homem ofegava forte a assustado. Paramédicos entraram pela porta do supermercado às pressas. Deitaram o segurança.

A minha volta, todos começaram a perceber que estava indo de mal a pior, porém suas reações foram absurdas, pois, ao todo, nada faziam.

Nada.

A fila do caixa seguia regular e padronizada, com pessoas desviando olhares ao óbvio. Alguns chegavam a passar pelo senhor caído e paramédicos reclamando — reclamando! — de estarem atrapalhando o fluxo.

E então, o pior aconteceu: o senhor de idade soltou um grito alto, profundo e grave, um último suspiro que me fez gelar a espinha. Foi como se realmente tivesse a alma arrancada garganta a fora. Todos olharam. Foi impossível não olhar! Mas eu fui o único a continuar olhando.

Uma alma decente do supermercado, uma jovem de 20–30 anos, começou a organizar a bancada das flores para dar espaço aos paramédicos, e impedir a passagem dos clientes inconformados com o contratempo.

A fila do meu caixa aumentou. Chegou a minha vez de passar as compras. Ali eu já era o único com esperança a olhar para o senhor torcendo por sua vida, enquanto os paramédicos realizavam a massagem cardíaca. A moça no caixa fazia seu trabalho aflita: Não queria estar ali… Não queria ser despedida…

Eu colocava os itens na esteira e cruzava os braços falando baixo:

“Viva, viva, viva!”

“Respire, respire, respire!”

Mas ele não ia voltar. Os paramédicos sabiam. Eu começava a aceitar.

“Ele deve ser pai ou avô de alguém… Tio… que trágico, justo em um dia comum… Droga! O que estou pensando?”

Eu olhava em volta com o estomago embrulhado, por dois motivos:

Primeiro pois sentia a Morte perto: “Uma vida foi ceifada, haveria uma próxima? Seria eu?”

Porém ainda mais impossível de conceber foi a fila, tão organizada, como se nada tivesse acontecido. Pessoas passando suas compras em outros caixas, como se nada tivesse acontecido…

E ainda mais revoltante: o único a interagir, filmava tudo para postar nas mídias sociais e compartilhar com os amigos. “Olha o que aconteceu COMIGO hoje no supermercado!”

Uma pessoa morreu. Uma história se apagou. E o mundo continuou como se não fosse nada.

Nada.

Quis gritar! Quis bater ou pelo menos chamar atenção do individuo no celular. Mas não fiz. Acovardei. Sai do supermercado pouco depois do corpo ser retirado. Peguei o ônibus 99. Voltei cabisbaixo para casa…

Era um dia comum de verão. Não muito quente, pois a brisa marinha ajudava.

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Davi Monticelli

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